Trocar nuggets e salgadinhos por alimentação saudável leva tempo e paciência, mas é possível
Batata frita, pizza, salgadinhos tipo chips, salsicha, biscoito recheado, refrigerante, frango, iogurte e melancia. Cheio de doces e frituras, não é de se surpreender que este menu encha os olhos das crianças. O problema é que ele enche também as bocas. A preferência por esses alimentos foi revelada em uma pesquisa divulgada no meio deste ano com 400 crianças de 4 a 6 anos de idade.
“O consumo desses itens sem controle, a médio e longo prazo, podem trazer riscos à saúde. Diabetes tipo 2, problemas cardiovasculares, hipertensão: há várias doenças que são favorecidas por uma alimentação não balanceada”, afirma a nutricionista e pesquisadora Isa Maria de Gouveia Jorge, do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP.
Entre os 10 alimentos favoritos da criançada, apenas três são considerados saudáveis: frango, iogurte e melancia. Todos os outros são ricos em densidade energética, gorduras, açúcares e sal, e apresentam escassez em micronutrientes e fibras. Os alimentos menos aceitos pelos entrevistados foram as hortaliças, como chuchu, sopa de legumes e purê de batatas.
Mas é possível virar o jogo. “Tudo é uma questão de hábito. O paladar pode ser sim aprendido. As crianças já nascem gostando do doce e salgado, mas os gostos azedo e amargo são aprendidos. Basta elas terem uma oferta de alimentos que possibilitem experimentar esses sabores”, alerta Isa.
Táticas de alimentação
Mudar a alimentação da criança para melhor não é uma tarefa fácil, mas é possível. Em uma determinada fase, esbarrar em recusas injustificadas é comum. “A Nina come alimentos brancos e amarelos. As outras variações são quase sempre rejeitadas”, confessa Silmara Franco, de Campinas, mãe de Nina, 4 e de Luca, 7. Silmara contorna as negativas com jeitinho. “Vou à forra em tortas e sopas. Nelas, coloco tudo quanto é tipo de legumes, verduras, cereais, proteínas. Mas sempre falo a verdade, digo tudo que coloquei e eles aceitam numa boa”.
Segundo Eleonora Nunes da Silva, psicoterapeuta especializada em crianças e adolescentes, entre os 4 e 6 anos a criança vive um momento de autoafirmação. “Nessa idade, as crianças estão se socializando, formando juízos: o que é certo, o que é errado, o que é nojento, o que vão pensar de mim. Há muita influência externa e todas estas informações interferem nesse processo de busca de identidade e necessidade de se impor”, afirma.
Foi o que aconteceu com Leonardo, 7 anos. Conforme crescia, passou a ficar mais seletivo. Segundo a mãe Letícia de Moraes, ele sempre gostou do seu feijão. Mas ao completar 5 anos passou a achá-lo “nojento”. “Tem um pouco do contexto social na alimentação. Na escola ele come bem, às vezes melhor que em casa. Mas eu procuro variar, fujo dos alimentos industrializados. Prefiro trazer uma comida fresca de um restaurante a ceder aos produtos instantâneos e fast foods”.
Castigar, brigar ou forçar os filhos a se alimentarem corretamente é uma tática que raramente dá resultados positivos. A imposição de certos alimentos pode levar a uma rejeição ainda maior, além do desgaste emocional. “Eu já briguei, me estressei, mas vi que não adiantava nada. Parei de forçar e aos poucos ela começou a experimentar alimentos que até hoje ela nunca havia comido. Atualmente ela está comendo carne moída por vontade própria, coisa que ela nunca havia experimentado antes”, conta Patricia Paulo Antal, mãe da pequena Laura, de 4 anos, que rejeita todas as hortaliças, não gosta de carnes e adora nuggets, salsicha e miojo.
Para garantir a ingestão de nutrientes necessários à dieta da filha, Patrícia recorre a artimanhas que sempre funcionaram desde que Laura passou a rejeitar alimentos saudáveis. “Bato músculo no caldinho de feijão, misturo água da beterraba cozida na gelatina, falo que frango à milanesa é um nuggets gigante. Vou “enganando”, mas pelo menos faço com que ela coma o que realmente precisa”, conta.
Paciência é a chave
Deixar a criança fazer algumas escolhas é tão importante quanto saber impor limites e ter clareza nestas limitações. Relacionar a alimentação a castigo ou a consolo e conforto, usando balas, salgadinhos, refrigerantes como “prêmio”, desvirtua a relação da criança com a comida.
“A criança não tem noção do que é saudável ou não. Ela é guiada pelo prazer. Ela tem que sentir a alimentação como uma coisa boa. Às vezes, o problema maior está na dificuldade da própria família em mudar não apenas seus hábitos alimentares, mas seu pensamento e compreensão sobre a relação afetiva que existe neste processo”, explica a psicoterapeuta.
Antes de proibir ou substituir a batata frita, salsicha e outros alimentos não saudáveis já inseridos na rotina das crianças, é preciso ampliar o repertório alimentar infantil, oferecendo mais possibilidades e variedades. Uma boa dica, segundo a nutricionista, é encontrar recursos capazes de instigar a curiosidade das crianças.
“Opte por produtos mais naturais e que sejam novidade. Hoje há uma infinidade de grãos, frutas, sementes. Convide seu filho a participar do preparo de uma salada de frutas ou de verduras. A crianças é curiosa, ela se interessa e precisa dessas oportunidades. Se os pais se alimentam com prazer e manifestam isso, certamente ela fará o mesmo”, revela Isa.
O estilo de vida atual pode não favorecer uma dedicação apropriada à cozinha. O preparo das refeições demanda tempo, organização, disponibilidade. Mas, segundo o professor Antônio de Azevedo Barros Filho, do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Unicamp, nada justifica a falta de consciência em relação aos cuidados com os filhos.
“Os pais precisam estar bem preparados para exercer seus papéis com responsabilidade. Hoje em dia há bebês sendo alimentados com alimentos industrializados”, indigna-se. Alimentar demanda tempo, paciência. A criança se suja, demora para comer, brinca. “O imediatismo não funciona nessa hora. Ter um filho e cuidar dele exige perdas e ganhos. Os pais precisam estar mais conscientes”, finaliza.
Fonte: Emex - Nutrição Orientada
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